segunda-feira, 16 de maio de 2011

A qualidade além da aparência

 Por Carlos Martins Santiago


O arroz é o principal alimento consumido no Brasil e um dos mais importantes do mundo. Mas no Brasil, a aparência tem sido o fator que define esse produto, qualquer outra característica, é deixada de lado em nome do visual. No agronegócio, define-se qualidade como sendo a soma das propriedades e características de um produto, natural ou industrializado, que contribuem para satisfazer as necessidades do consumidor. As necessidades do consumidor, por sua vez, são implícitas ou explícitas, sendo que com o poder da mídia em criar modelos de consumo, as qualidades explícitas se afloram na mente das pessoas e passam a dominar a maneira de consumir e, por conseguinte, o negócio do arroz de um modo geral.

A preferência do consumidor em relação ao arroz foi modificada nas últimas décadas. Antes o padrão de consumo nas regiões Centro Oeste, Norte, Nordeste e Sudeste era o “amarelão goiano”, grãos de tipo longo, obtidos com o cultivo do arroz em regime de sequeiro, agora conhecido como Terras Altas. Visualmente era um arroz diferente do que existe hoje nas gôndolas dos supermercados, mas constituía a preferência do consumidor. No conjunto de características que formavam a sua qualidade, implícito estava o fato de ser um arroz produzido exclusivamente com água das chuvas. As águas pluviais são uma forma completamente natural de irrigação de uma lavoura, sem ferir as reservas naturais, rios, açudes ou barragens, a chuva cai do céu e irriga a plantação, ao mesmo tempo em que segue o seu curso normal rumo aos mananciais. É simples assim.

Contra esse tipo de arroz pesava a acusação de ser proveniente de áreas de desmatamento. O que não se dizia é que o desmatamento não tinha o objetivo final de se plantar arroz, e sim o do plantio de soja, milho ou pastagens. O arroz não constituía um fim, mas apenas um meio de se atingir aqueles objetivos. Foi a cultura usada para “amansar” a terra, após o desmatamento se plantava o arroz por um ou dois anos e em seguida a terra passava por um processo de correção de fertilidade para a implantação de outros cultivos como soja e milho ou semeio de capim para a formação de pastagens.

Os valores visuais mudaram, mudaram-se as qualidades explícitas, mas as qualidades implícitas talvez nunca tenham sido de grande importância para o consumidor de arroz no Brasil, já que nos principais países produtores, que também são os principais consumidores: China, Índia e Indonésia, a aparência é apenas mais um dos requisitos de um bom arroz, e, não “o requisito”. Essa é a maneira de “ver” esse alimento sagrado em nações com tradições milenares na produção, preparação e no consumo desse cereal. 
Chegou o momento de o consumidor brasileiro abrir os olhos e começar a enxergar além das gôndolas. É inconcebível permitir que um Celetron, equipamento eletrônico usado para separar os grãos defeituosos, tais como picados, manchados e gessados, defina também a sua visão do produto. 
Por mais que se selecione o arroz antes de empacotar, por mais que se mude a sua qualidade explícita, isso não significa que os defeitos do produto tenham sido retirados. Alguns defeitos implícitos, jamais poderão ser removidos, a não ser que se mude a essência do próprio produto, mude a maneira de gerar, de plantar, mude o modo de cuidar da lavoura e das pessoas que cuidam da lavoura e, se mude também a maneira de cuidar da nossa água e do meio ambiente em que toda plantação comercial está inserida.

Práticas agrícolas, sociais e ambientais não recomendadas, continuarão contidas no alimento de cada dia e continuarão a ser ingeridas, embora escondidas sob uma belíssima maquiagem. A qualidade do arroz é produzida na lavoura. Todas as práticas e processos posteriores podem no máximo, conservar e exprimir essa qualidade, ou, esconder os seus defeitos. 

É preciso começar a enxergar a origem, a maneira como os alimentos são produzidos, para só então, decidir pela aquisição e pelo seu consumo. Só assim o consumidor deixará de ser objeto, e, passará a ser o sujeito de uma nova realidade no agronegócio brasileiro.


Fonte: http://www.diadecampo.com.br/zpublisher/materias/Materia.asp?id=24254&secao=Artigos%20Especiais&c2=Agroneg%F3cio


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